Este blog se destina a falar de futebol (do Galo) e automóveis (normalmente de Kombi).
Por isso publico abaixo texto de autoria do Dr. Raul Haidar, advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP
e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur, publicado nesta no dia 22/11/11, no qual defende, com brilhante fundamentação, a extinção do IPVA - Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores.
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Imposto injusto, IPVA deveria ser extinto
Imposto injusto, IPVA deveria ser extinto
Para
os proprietários de veículos deste país não existe Justiça tributária. Criou-se
uma lenda, já bastante antiga, segundo a qual quem tem carro é rico. Ou pelo
menos “burguês”, para usarmos o vocabulário típico de alguns dinossauros
falantes que insistem em permanecer no século XIX. Rico ou burguês tem que ser
tributado ou “expropriado” para supostamente repartir sua riqueza com o
proletariado. Mas normalmente quem faz tal pregação usa carro oficial. É o
cinismo fiscalista em ação.
Mas quem trabalha e produz neste país vem aos poucos
tomando consciência de que ao pagar impostos não é contribuinte, mas vítima. Não
só do fisco, mas também das montadoras e importadores, que obtém aqui o lucro
que lhes falta em seus países de origem.
Se os arrogantes dirigentes das montadoras sempre nos viram como
seres inferiores capazes de comprar carroças a preço de automóveis, governantes
e legisladores nos tratam como idiotas capazes de pagar qualquer tipo de
tributo.
Liberadas as importações em 1990, as montadoras tiveram que
melhorar um pouquinho os veículos para enfrentar a concorrência dos importados,
melhores que as carroças e a preços mais competitivos. Para proteger montadoras
e manter empregos, aumentou-se o imposto de importação até o limite máximo
admitido pelos tratados comerciais, ampliando-se ainda os demais tributos.
Temos hoje uma das maiores cargas tributárias do mundo, já
próxima de 40% do PIB, em troca de péssimos serviços. Pagamos impostos para
receber Justiça, Segurança, Saúde, Educação, etc. e pouco
recebemos...
O preço dos automóveis embute cerca de 50% de tributos entre IPI
, ICMS, IPVA, Cofins, PIS, Contribuição Social, licenciamento, IOF no
financiamento e nos seguros, etc.
Essa carga varia conforme o modelo do carro (popular, luxo, etc)
e o uso (táxis gozam de isenções), mas na média passa dos 40%. Eis aí a
explicação para a enorme diferença de preço que se verifica em comparações com
outros países. O mesmo BMW feito na Alemanha pode custar 25 mil dólares em Miami
e mais que o dobro em São
Paulo.
Mas quem compra automóvel paga tributos para usá-lo também. Além
de pagar IPVA todo ano, tributam-se o consumo de combustíveis, as despesas com
manutenção, as peças, etc. Automóvel é quase uma outra família e representa
fonte inesgotável de tributos para o país.
Quem estuda tributação sabe que impostos só podem incidir sobre
renda, patrimônio ou consumo. Os veículos são tributados pelo ICMS e pelo IPI
porque são bens de consumo, classificados como mercadorias (pelo ICMS) e
produtos industrializados (pelo IPI).
Sendo tributados como bens de consumo (ainda que duráveis) não
podem sofrer tributação do IPVA como se fossem patrimônio, pois o objeto de
tributação ou é bem de consumo ou não.
Se fosse válido cobrar imposto sobre o consumo daquilo que já se
tributa pelo imposto sobre patrimônio, haveria incidência de ICMS e IPI na venda
de imóvel, que é tributado pelo IPTU. Imóveis não são considerados mercadorias
ou produtos industrializados para efeito de tributação...
De igual forma, automóveis não podem ser considerados bens
integrantes do patrimônio para fins tributários, sob pena de admitirmos a
hipótese de cobrar imposto patrimonial sobre qualquer bem de consumo durável,
como geladeiras, televisores, etc.
O conceito clássico de patrimônio (Rodrigo Fontinha,
Dic.Etimologico...) refere-se a “...bens herdados ou dados por pais
ou avós; bens de família...” e nos leva à conclusão de que tendo a
palavra origem em “pater” (pai), representa o conjunto de bens e riquezas que se
pode acumular para a proteção da família e dos descendentes. Daí a preocupação
de pais sobre o “patrimônio” que podem transferir a seus filhos.
Esse conceito de patrimônio é que merece tratamento especial do
legislador, a ponto de se preservar o “bem de família”, protegendo-o até de
credores, em cumprimento ao disposto nos artigos 226 e seguintes da
Constituição. Mas não há dúvida de que automóveis são bens de consumo e assim
devem ser tratados para todos os efeitos, especialmente os
tributários.
Todo o nosso sistema tributário foi transformado numa bagunça
generalizada, a merecer ampla reforma, que nenhum governo quer fazer. Basta
dizer que em 1965 tínhamos uma carga tributária de cerca de 20% do PIB, que
cresce continuamente (com pequenas quedas na década de 90) atingindo hoje cerca
de 38%. Assinale-se que uma enorme quantidade de taxas (que são tributos) sempre
ficam escamoteadas das pouco confiáveis estatísticas oficiais.
Se não existe razão para cobrar IPVA dos automóveis porque são
bens de consumo, esse imposto deve ser
extinto.
Metade do IPVA pertence ao Estado e a outra metade aos
municípios e sua extinção trará queda de arrecadação, que pode ser compensada
com o ICMS, de cuja receita 25% pertencem aos municípios. Estes ainda possuem
ampla capacidade de recomposição de receita, bastando que administrem
corretamente a tributação do IPTU.
A sonegação do ICMS em veículos é praticamente impossível, pois
adota-se a substituição tributária: o imposto é pago pelas montadoras ou
importadoras e os mecanismos de controle são absolutamente precisos. O principal
deles é o Renavam, pois não há licenciamento de veículo sem esse cadastro.
A extinção do IPVA representaria um bom estímulo às vendas,
especialmente dos veículos usados, cujo mercado está em baixa. Aliviaria o bolso da
classe média, reduziria e burocracia e permitiria que as pessoas de menor poder
aquisitivo tivessem acesso a carros melhores. Além disso, livraria o cidadão de
um desembolso injusto de imposto logo no começo do ano, quando já tem seu
orçamento comprometido com inúmeros gastos.
Aquela ideia dos tempos dos dinossauros de que quem tem carro é
rico é uma rematada besteira. Automóveis são hoje principalmente instrumento de
trabalho, especialmente ante a deficiência do transporte público. Alguns
profissionais (corretores, por exemplo) já pedem isenção do imposto. Se queremos
justiça tributária, devemos acabar com o IPVA.
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